Fundada em 1891, a colnia de Nova Veneza tornou-se um marco na histria da colonizao italiana no sul de Santa Catarina. Posteriormente subdividida em Nova Veneza, Jordo, Belvedere, Treviso e Nova Beluno, hoje Siderpolis.
A colnia de Nova Veneza foi planejada por uma companhia particular, a Cia Metropolitana de Miguel Napole, cuja meta era fundar um polo de imigrao de dezenas de milhares de italianos para colonizar toda a regio. Sob a promessa de que encontrariam uma cidade baseada na Veneza da Itlia, dezenas de famlias imigraram para "Nuova Venezzia", servindo de mo-de-obra para o desbravamento da mata virgem. Para tanto recebiam terras a baixo preo, mesmo porque no tinham qualquer valor de mercado. Fornecia-se-lhes ferramentas, animais, sementes, o que deveria ser pago com a produo posterior. Nada chegava perto das promessas. O que era sonhado como uma "terra prometida" revelava-se uma regio selvagem habitada por ndios furiosos pela invaso e desrespeitos. Apesar disso e custa de muito trabalho e sangue, os colonos prosperaram, construindo escolas, clubes e, principalmente, igrejas. O engodo das promessas feitas no recrutamenteo suscitou uma pequena rebelio na colnia, que resultou no incndio da " senzala" e em diversos mortos, cujas vivas foram enviadas de volta Itlia. Outras famlias abandonaram a colnia e transpam a serra se instalando no Rio Grande do Sul. De fato, quem adentrar a mata na rua que segue ao lado do Hospital So Marcos, que poca era uma espcie de palcio sede da Cia Metropolitana, encontrar um cemitrio abandonado, tomado pela vegetao, em cujas lpides se encontram alguns sobrenomes italianos mais comuns no Rio Grande do Sul.
Em 1893, com a Revoluo Federalista Brasileira, o fenmeno imigratrio foi bruscamente interrompido. Em decorrncia disso houve um esvaziamento dos ncleos da colnia de Nova Veneza, o que deu incio ao seu declnio. Entre 1877 e 1893 os italianos chegavam aos milhares; em 1894, apenas 27 imigrantes italianos chegaram a Nova Veneza. Aqueles que l permaneceram encontraram na agropecuria e derivados sua sobrevivncia, e na cultura italiana seu maior legado, atravs da preservao do dialeto, da arquitetura, msica, folclore e, principalmente, a gastrononia.
Hoje uma atividade econmica crescente o turismo gastronmico que se baseia no macarro rstico, polenta, puna (queijo pr-fermentado), queijos coloniais, salames, carnes e galinhas ensopadas, saladas de batatas com ovos, saladas de "radicio", pes e tantos outros pratos que podem ser encontrados em restaurantes e "cafs coloniais". Porm o potencial para o turismo ecolgico estupendo, haja vista que a regio regada de rios cristalinos e puros entre montanhas de matas virgens nos quais vivem at lees-da-montanha e jaguatiricas.
Apesar da histria de progresso e perseverana, no se pode omitir que a colnia sofreu uma grande mcula j no seu incio, pois houve o genocdio dos ndios Xokleing, habitantes originais da regio. Conta a histria que o agrimensor Natal Coral, liderando vrios colonos, matou centenas de homens, mulheres e crianas, invadindo as tribos durante a noite e degolando com faces as vtimas que se encontravam em sono pesado. Para se vingar os Xokleing raptaram a mulher de Coral e a mantiveram por dois anos. A ltima grande matana ocorreu na aldeia do Morro Redondo, localidade de So Bento Alto, por volta de 1905.
Durante todo quase todo o sculo XX a Cidade se manteve em decadncia, inclusive com declnio populacional, fenmeno talvez frutificado do rano racista tipicamente europeu em voga at algumas dcadas adas. Recentemente tem ocorrido o processo miscigenatrio tipicamente brasileiro, o que tem embelezado ainda mais o povo da pequena cidade, alm de ampliar sua carga cultural. Empresrios internacionais tm instalado suas indstrias na cidade, o que vem tonificando sua economia.
Na costa da serra, a mata atlntica virgem irrigada por riachos de gua cristalina proporcionam um sentimento de paz e misticismo ecolgico incomuns. Foi nesse ambiente que ei minha infncia e adolescncia, onde inclusive encontrei pontas de flechas, o que me impulsionou a pesquisar a histria do conflito entre italianos e "bugres", resultando em um pequeno artigo no jornal local "Tradio de Vanguarda" que eu fundara com outros jovens da cidade: Marcelo Branco Pacheco, Ramiro Fernandes Pereira e Marcos Rivelino Gava. II - O Genocdio dos Bugres de Nova Veneza - Santa Catarina Este cho que nossas famlias batizaram de Nuova Venezzia, no final do sculo ado possua a magnitude da natureza virgem empolgante e pomposa. O Rio Me Luzia rasgava o cho com suas guas cristalinas repletas de peixes. A msica selvagem da floresta com seus uivos, pios e alaridos impregnavam paz e misticismo em qualquer alma que ali pairasse. Semi nus, bronzeados e em harmonia viviam s margens dos rios varando a floresta. Refiro-me aos verdadeiros filhos de Nova Veneza, os ndios da raa Xokleing, conhecida como "bugres". Os Bugres subiam a serra donde traziam o pinho em balaios de bambu, depois, o armazenavam na glida gua corrente dos costes. Alm do pinho, extraiam o mel do qual faziam licores e cuja cera utilizavam para vedar cestos de carregar gua e alimentos. Se alimentavam do palmito, frutos e principalmente da caa. Por exemplo, a anta preparavam colocando-a num buraco sob uma fina camada de terra e folhas, depois acendiam uma fogueira. Horas depois a retiravam e era repartida igualmente entre todos. Da fibra da urtiga fabricavam as cordas dos arcos e teciam mantas para proteger as crianas e mulheres do frio. O barro, aps ser especialmente temperado (tecnologia perdida), era moldado em forma de as. Suas ferramentas e utenslios, bem como as pontas das flechas e lanas eram confeccionadas em pedra ou madeira, j que no conheciam o beneficiamento dos metais. A vida familiar dos bugres pouco conhecida. Sabe-se, por narrativas de caadores e bugreiros, que as mulheres tinham forte afeto por seus filhos e que quando sentadas cruzavam as pernas com recato. As mesmas pernas que inutilmente recusavam abrir aos assassinos: catlicos italianos. Os bugres eram fortes e geis. Podiam carregar uma anta nas costas por quilmetros. Na floresta se locamoviam rpida e silenciosamente. Podiam acertar, com seus arcos, alvos a mais de cinqenta metros. Quando os italianos e alemes chegaram a Santa Catarina, a fama do homem branco j era conhecida pelos bugres por meio dos portugueses do litoral. Talvez por isso pouco se mostravam aos imigrantes. Nessa poca (meados de 1880) j tinham suas vidas modificadas, pois matas j haviam sido derrubadas e sua cultura sofria influncias dos costumes e tecnologias dos brancos que freqentemente eram observados pelos bugres escondidos nas orlas das florestas. Com a chegada de mais italianos a situao foi se agravando. Os bugres viam suas matas caindo e seus recantos de natureza virgem rarear. Foram sendo progressivamente confinados nas costas da serra que no podiam subir devido hostilidade dos fazendeiros de gado. Os imigrantes, movidos pelo terror, atacavam antes de tentar uma aproximao amistosa. Nunca houve tentativas de contato amigvel, exceto a do Frei Luiz, que foi frustrada em funo dos ressentimentos at ento j criados. A Companhia Metropolitana financiava a implantao de novas colnias e os bravos imigrantes, sem alternativa, nada tinham a fazer alm de obedecer a lei da selva: "o mais forte devora o mais fraco". Os bugres, desesperados, comearam a atacar os ranchos dos colonos, com o intiuito de intimidar os destruidores da floresta e tambm de saquear os preciosos alimentos e utenslios do branco. Infelizmente, talvez por vingana, assassinavam freqentemente mulheres e crianas. O clima ficava cada vez mais pesado e os colonos apoiados e incentivados pelo Companhia Metropolitana, comearam a organizar expedies para afugentar os selvagens. Tais excurses, na realidade, constituiam-se em chacinas premeditadas e eram geralmente lideradas pelo agrimensor italiano Natal Coral. Natal Coral jurara vingar a morte de seu amigo Giovanni Baldessar. Fontes respeitveis, inclusive o livro sobre a imigrio italiana de autoria do Monsenhor Agenor Neves Marques, revelam um fato de grande polmica: Os bugres, com o intuito de desmoralizar o bugreiro Natal, raptaram sua mulher e nela plantaram a semente de sua raa. Anos depois a devolveram s, salva e grvida. Natal coral era audacioso caador. Sua casa sempre ornada de couros de onas e dentes de feras, era o atestado de que conhecia a mata e sabia galg-la. Ele atendia, com um prazer at compreeensvel, a incumbncia de "caar" os bugres. No alto do morro onde hoje se localiza o Hospital So Marcos, se erguia altaneira e majestosa a sede da Companhia Metropolitana e residncia de seu Diretor, Miguel Napoli. A manso parecia um castelo e a escadaria de ascesso era toda de mrmore carrara. O jardim descia desde a colina at a plancie. Foi ali que Natal Coral, aps localizar um grande acampamento de bugres pelos atalhos de Sant'Ana em direo serra, combinou com Napoli o pagamento de dois mil ris por orelha de bugre. Natal mais duzentos homens foram caa. Na madrugada, aps grande festa, os ndios caram em sono profundo. Sono do qual jamais acordaram... "Due malle", duzentas orelhas de homens, mulheres e crianas. Miguel Napoli, temendo as autoridades governamentais, recusou-se a ver o produto da chacina e fez com que todos se calasem. Todos se aquietaram, todos, menos os bugres. As fechas vigativas sibilavam o ar agora mais freqentemente. Mas as flechas eram mui penosamente fabricadas e os bugres, talvez por motivos religiosos, no guerreavam noite. Diante desses ataques, os italianos tinham bons motivos para matar os ndios. A extino estava ento desenhada pelo destino e provavelmente por mais algum. A ltima matana de que se tem notcia aconteceu no Morro Redondo, na localidade veneziana de So Bento Alto. De l capturou-se um casal de bugrinhos. A menina vivia com a famlia Nuernberg, j cantava e rezava em alemo, quando ao secar-se a uma fogueira queimou-se morrendo depois pelas infeces. O menino foi adotado por um juiz da cidade de Ararangu, mas contraiu sarampo e tambm morreu. O nico bugrinho capturado que sobreviveu foi adotado pela famlia Rufino e posteriormente viveu na fazenda da famlia Savio, no Costo da Serra, territrio da antiga Nova Beluno, hoje Siderpolis.
Todos os outros bugrinhos aqui capturados morreram. H um certo constrangimento nas faces dos que contam as mortes dessas crianas. Mortes quase sempre de forma trgica em acidentes horrveis, como escorregar e cair dentro de um tacho fervente ou ser engolido por uma moenda de cana-de-acar. justo e triste salientar que o preconceito racista era dominante na poca e que os bugres eram considerados animais. Que essa gente cruelmente violentada e assassinada aceite o arrependimento dos descendentes dos genocidas e que descansem na paz de Deus. Eder Giovani Savio - Tradio de Vanguarda, n. 05, ano 2, Junho/91. Nova Veneza/SC. (verso com correes). Fonte: Nucleo de Estudos e Tecnologias em Gesto Pblical |